Conheça histórias de seis ex-executivos que saíram das empresas em que trabalhavam, em busca de tranquilidade, propósito ou nova relação com a cidade
Por Pedro Carvalho
Após décadas em cadeiras de chefia, eles trocaram escritórios caretas por coworkings moderninhos. Deixaram de usar carro para caminhar pela cidade. Mudaram o rumo da carreira em prol de uma rotina mais tranquila ou para abraçar atividades ligadas a suas crenças e valores. Por opção ou necessidade, os cinquentões repaginados tornam-se cada vez mais comuns na paisagem paulistana. Uma maneira de atestar o fenômeno é olhar a crescente procura por vagas e meios para trocar de profissão em serviços voltados para esse público. “Temos 85 000 cadastrados e metade está em São Paulo”, conta Mórris Litvak, fundador da MaturiJobs, plataforma lançada em 2015 para ajudar pessoas acima de 50 anos a se recolocar no mercado. “Nossa maior receita não vem da plataforma de vagas, e sim dos cursos e palestras de capacitação e reorientação profissional”, diz.
A turma experiente costuma buscar uma rotina mais gratificante que o penoso pêndulo casa- trabalho-casa. “Aos 30 anos, temos uma definição para sucesso. Aos 50, essa ideia muda: o bem mais precioso é o tempo”, avalia Ligia Costa, fundadora da Thank God It’s Today, uma “agência de transformação de indivíduos” que nos últimos quatro anos ajudou 120 clientes, na maioria cinquentões, a reorganizar a carreira e a vida. Confira, nas próximas páginas, bons exemplos dessas metamorfoses. São pessoas que ocuparam cargos executivos, mas optaram por uma virada aos 50. Histórias diferentes, com um ponto em comum: todos passaram a ter uma relação mais harmônica com a capital.
A primeira vez que Guido Padovano fez uma aula de meditação foi aos 8 anos, em um jardim de Johanesburgo, na África do Sul, onde morava por causa do emprego do pai. Aos 14, o jovem, nascido na Itália, chegou a São Paulo, onde estudaria na Escola Politécnica da USP e construiria uma bemsucedida carreira no mercado financeiro. Por mais de uma década, ele comandou a área de investimentos privados do banco americano Merrill Lynch nas divisões da América Latina e da Europa. “Nós comprávamos participações em empresas, ajustávamos os negócios para valorizá-los e os vendíamos”, relembra. Em 2013, quando decidiu deixar o mundo das finanças, tinha 57 anos e a vontade de retomar uma velha prática que, desde aquele longínquo jardim de Johanesburgo, nunca tinha saído totalmente de sua rotina. “Sempre estudei e pratiquei técnicas que ajudam a acessar as partes mais inconscientes da mente, para aprimorar a inteligência emocional e o relacionamento em grupo. Acho que esses pontos eram um diferencial na minha carreira”, conta.
Em 2017, essas práticas lhe abriram as portas de um novo caminho profissional, como palestrante e instrutor de mindfulness (técnica para atingir a “atenção plena” que tem sido empregada em ambientes corporativos) e inteligência emocional. No momento, Padovano está concluindo sua certificação como instrutor do Search Inside Yourself Leadership Institute, uma iniciativa nascida no Google focada em neurociência e habilidades socioemocionais, e oferece treinamento a empresas e ONGs. Ao se liberar da rotina entre a casa e o escritório, transmutou sua relação com São Paulo. “Agora eu moro na cidade de fato”, diz. O ex-executivo passou a usar muito pouco o carro para se locomover. De sua casa, nos Jardins, costuma ir a pé a reuniões no Itaim e na Avenida Paulista. Aos que buscam uma nova carreira, Padovano sugere fazer uma pausa. “Não aconselho férias ou viagens para se distrair, mas um período de silêncio interior, necessário para entender as próprias forças e fraquezas. Um momento de reflexão para conseguir enxergar o caminho adiante.”
Celso Loducca, 60, consegue dedicar mais tempo ao seu cachorro Pipoca e à Casa do Saber, seu projeto social
Celso Loducca, 60, consegue dedicar mais tempo ao seu cachorro Pipoca e à Casa do Saber, seu projeto social (Alexandre Battibugli/Veja SP)
Ao longo de trinta anos, o paulistano Celso Loducca subiu todos os degraus que um publicitário pode almejar. Dois anos após estrear na profissão, ganhou o primeiro Leão no Festival de Cannes. Nos tempos em que as boas sacadas eram a estrela dos anúncios, assinou campanhas memoráveis — “Os nossos japoneses são mais criativos que os outros”, da Semp Toshiba, “É o amor”, da Sazon, entre outras — e com nove anos de carreira era o publicitário mais bem pago do país. Em 1995, abriu a própria agência, a Lowe Loducca. A rotina era intensa: chegava às 7h30, aproveitava a manhã para reuniões, visitava clientes à tarde e pendurava o crachá às 19 horas. Quando vendeu sua parte (de quase 30%) no negócio, em 2015, tinha 250 funcionários e uma das melhores margens de lucro do mercado. Daí para a frente, virou a página. O meio ambiente e os bichos (como o inseparável Pipoca, na foto) sempre cativaram Loducca, vegetariano desde os 14 anos.
Em uma fazenda do interior paulista, o ex-empresário instalou uma produção-modelo de queijos, mel, iogurte e outros quitutes feitos de maneira ecologicamente correta. Os produtos vão virar uma marca comercial em breve. Na capital, passou a dedicar mais esforços à Casa do Saber, projeto de difusão do conhecimento do qual é fundador — em abril, a empreitada completa quinze anos, e ele promete uma repaginada para multiplicar seu alcance. Também apostou em um programa de entrevistas no YouTube, o Quem Somos Nós?, com mais de 6 milhões de visualizações. “Convido referências dos mais diferentes assuntos, da filosofia à astrofísica”, diz. Além disso, mantém assento em reuniões do conselho da operadora de telefonia TIM, que lhe ocupa dois ou três dias por mês. Entre os resquícios da vida corporativa, os papos- cabeça e as lidas da roça, sobrou tempo para aprender muay thai e fazer trilhas — desde que saiu da agência, perdeu 5 quilos. O “novo Loducca” parece ter adquirido muitas caras, menos a de alguém estacionado após a vida de executivo. “A publicidade foi uma profissão, não a minha pessoa toda. Meus interesses sempre estiveram além dela”, conclui.
Suzane Veloso, 52, vendeu seu carro e pediu demissão para se dedicar a novos negócios
Suzane Veloso, 52, vendeu seu carro e pediu demissão para se dedicar a novos negócios (João Bertholini/Veja SP)
Com duas décadas de experiência na vida executiva, a especialista em reputação corporativa Suzane Veloso se viu em uma situação que pode soar paradoxal, mas é menos incomum do que se imagina. Sua jornada no escritório ocupava quase o dia todo. Sua experiência, entretanto, permitia que ela resolvesse as tarefas com rapidez. Sobravam momentos ociosos no trabalho, mas faltava tempo para as outras coisas da vida. “Eu não estava feliz, precisava ser mais dona do meu tempo”, diz a ex-diretora de comunicação de empresas como Terra/Telefônica e DM9DDB. Naquela época, Suzane perdia duas horas diárias no trânsito entre sua casa, na região do Ibirapuera, e o trabalho, em Alphaville. Não parecia fazer sentido. “Muitas empresas não se dão conta, mas a gente vive em um novo mundo. A forma de se comunicar, consumir e aprender mudou. Não é possível que a forma de trabalhar não mude”, diz. Em seguida, ela saca um celular e aponta para a tela do aparelho. “Meu escritório, agora, é isso aqui.”
Dois anos atrás, Suzane vendeu o carro, pediu demissão e passou a fazer cursos na área de inovação. Logo conquistou os primeiros clientes — na maioria startups — que precisavam desenvolver e posicionar suas marcas. Ser um nome conhecido no mercado ajudou. “Ter passado por grandes empresas coloca uma etiqueta em você”, diz. Mas, além disso, ela manteve sua rede de contatos sempre próxima. “Não podemos nos encastelar com o sucesso corporativo, é preciso ter um interesse genuíno pelas outras pessoas. Três vezes por semana, ainda faço almoços de relacionamento”, conta. Hoje, a carioca, e moradora de São Paulo desde 1994, ganha menos do que na época de executiva, mas descobriu que não precisava do salário alto. “Na diferença entre o que ganho e o que ganhava estava o preço da minha felicidade”, diz. “Mas só consegui fazer essa mudança porque, antes, ralei muito. A transformação dos 50 anos não acontece aos 50: ela começa aos 17”, resume.
Paulo Sergio Silva, 54, ex-CEO do Walmart.com no Brasil, hoje atua como consultor de outras empresas
Paulo Sergio Silva, 54, ex-CEO do Walmart.com no Brasil, hoje atua como consultor de outras empresas (João Bertholini/Veja SP)
“Minha vida era uma sequência de slots de uma hora, em videoconferências consecutivas com outros executivos nas Américas e na Europa. Por causa do fuso horário, começava a trabalhar às 7 e parava às 21 horas. Isso quando não tinha evento à noite. E, a cada dez dias, estava em um país.” Esse cenário, que pode provocar estafa simplesmente ao imaginá-lo, foi o dia a dia do paulistano Paulo Sergio Silva por duas décadas e meia. No último emprego, como CEO do Walmart.com no Brasil, ele administrava um time de 1 500 pessoas e um faturamento anual na casa de 1 bilhão de reais. O sucesso profissional significava abrir mão de coisas importantes: Silva não acompanhou o crescimento do filho mais velho e precisou abandonar seus hobbies preferidos, como sua banda de música soul. “Há tempos eu me perguntava: o que vou fazer quando completar 50 anos?”, ele conta. Silva buscou se preparar para a mudança que ansiava empreender.
Convencido de que poderia ajudar outras empresas no papel de conselheiro ou consultor, estudou temas como governança corporativa e investimentos em startups. O plano deu certo. Hoje, ele se exime de trabalhar nas manhãs de segunda-feira e nas tardes de sexta. Nos outros dias, só marca reuniões com clientes após o almoço. No resto do tempo, está em casa ou em um coworking da Avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, perto de onde mora. Mesmo com a agenda mais tranquila, Silva conseguiu — com exceção dos bônus de fim de ano — manter os rendimentos da época de executivo. “O formato que adotei democratizou meu know-how: ele ainda custa caro, mas agora uma série de empresas diferentes paga por um pedacinho disso”, diz. É claro que garantir a renda não foi a única vantagem da transformação. “Meu humor melhorou muito. Acho que fiz um grande upgrade de vida”, ele reflete. “Ainda tenho responsabilidades como consultor e conselheiro, mas não preciso mais gerir pessoas, o que costuma ser desgastante”, avalia. Ah, sim: e a Soul Good voltou à estrada, com Silva levando nas guitarras sucessos de Aretha Franklin, Ray Charles e James Brown.
Sergio Chaia, 53, pediu demissão aos 50 e, hoje, atua como coach de c-levels
Sergio Chaia, 53, pediu demissão aos 50 e, hoje, atua como coach de c-levels (João Bertholini/Veja SP)
Aos 20 anos, quando cursava administração de empresas na Fundação Getulio Vargas, Sergio Chaia traçou uma meta para a carreira. “Eu decidi que seria presidente de uma multinacional antes dos 40”, relembra. “Para isso, precisaria virar diretor aos 35, gerente sênior aos 30, gerente aos 25 e começar a trabalhar aos 20.” Ato contínuo, o rapaz vestiu um jaleco branco e se tornou promotor de vendas da Johnson & Johnson em supermercados e lojas de departamentos de São Paulo. Aos 37, era presidente da francesa Sodexo no Brasil. Foi CEO de grandes empresas por treze anos, como Nextel e Óticas Carol, além de vice-presidente da californiana Symantec. Se o alto- comando chegou rapidamente, também não tardou a se mostrar cansativo. “Em 2015, completei 50 anos e pedi as contas. Não tinha ideia do que faria depois, mas sabia que aquilo eu não queria mais.”
Chaia embarcou para um interlúdio de três meses em Londres, onde o filho morava. Lá frequentou cursos que nada tinham a ver com sua vida pregressa, em escolas de artes e na filosófica School of Life. Apostou ainda em livros e métodos de autoconhecimento. Decidido a virar conselheiro de outros executivos, estudou o que existia de melhor sobre o assunto e fez o prestigiado curso de coaching da Universidade Columbia. “Se resolver mudar de carreira, não entre na piscina com boia de braço: mergulhe no assunto”, recomenda. Ele afilou o foco de atuação, para evitar a pecha de consultor genérico. “Meu público são os c-levels (CEOs, CFOs e outros cargos de ponta), e faço um aconselhamento focado em performance”, explica. Hoje, Chaia tem quinze CEOs e empresários como clientes, de marcas que faturam entre 10 milhões e 30 bilhões de reais por ano. Também ajudou quatro executivos a fazer uma transição de carreira como a dele. “Agora tenho uma vida mais coerente com o meu propósito, que é desenvolver pessoas”, afirma. “Além disso, livrei-me do esquema casa-escritório-casa. Encontro meus clientes em cafés, restaurantes, espaços de trabalho compartilhado. Criei outra relação com a cidade.”
Antônio Castilho, 60, abandonou a função de executivo para abrir sua própria startup
Antônio Castilho, 60, abandonou a função de executivo para abrir sua própria startup (MARCUS STEINMEYER/Veja SP)
“Tenho muitos amigos que estão em um momento da vida no qual decidiram: ‘Daqui para a frente, vou simplesmente tocar adiante’. Não consigo aceitar isso”, diz o paulistano Antônio Castilho. Ele, portanto, fez diferente: aos 58, escolheu deixar a carreira de executivo para fundar uma startup, movido pela ideia de atuar em um negócio com propósito social. Ao longo de 25 anos, Castilho trabalhou no sisudo setor de cartões financeiros. Passou por empresas como VR, Banco Votorantim e Cielo, onde permaneceu por mais de oito anos e ocupou uma vice-presidência. Depois, tornou-se presidente da Elavon, marca que foi vendida à Stone em 2016. Naquele momento, Castilho decidiu abrir o próprio negócio — embora não soubesse ainda qual seria. Após alguns meses de pesquisas, o projeto sai do papel neste mês: um serviço de assinatura que custa 33,90 reais mensais e dá direito a descontos em consultas médicas, exames, remédios, academias e alimentos. “A ideia é dar acesso a uma vida saudável a mais pessoas”, diz.
Para montar a Yalo, sediada no bairro de Vila Olímpia, Castilho convenceu um grupo de empresários a apostar no negócio e está prestes a receber um aporte de um fundo de investidores. “Não é a solução para os problemas de saúde do país, mas é uma pequena peça.” Na startup, o ex-executivo passou a viver uma rotina bem diferente daquela que experimentou nas empresas tradicionais, principalmente pelo contato com pessoas da nova geração. “Temos 22 funcionários, e o mais velho tem a idade da minha filha, 31 anos”, conta. Agora chamado pelos colegas de Cast (a turma achou “Castilho” muito formal), ele abandonou o terno e a gravata, vendeu o carro e se abriu para uma realidade mais moderna. “Aprendi uma linguagem nova, uma nova maneira de falar e me expor, sem preconceitos sobre coisas e pessoas. Minha sensibilidade sobre pontos de vista como a diversidade, por exemplo, mudou radicalmente”, diz. “Mas, veja, não quero ser ou parecer um cara de 30 anos. Quero ser um homem de 60 com capacidade de entender as novas gerações.” Se valeu a pena? “Sou tão feliz hoje como sempre fui. Com uma diferença: não penso mais em parar de trabalhar”, completa.
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