Quando devemos parar?
Aos 62 anos, João Luís adquiriu seu primeiro automóvel. Aos 65, terminou o Ensino Médio estudando diariamente com sua filha mais velha, a qual incentivou o pai a seguir carreira acadêmica. Graduou-se em matemática, com láurea e aplausos de toda a família e colegas.
Na juventude, pintava mansões, jogava futebol profissionalmente e precisou, por razões fortuitas, deixar de lado o apelo intelectual para emergir posteriormente.
“Posteriormente” é a reflexão interna de que o amanhã será possível – e que ele virá. Embora a vida nos pregue peças, os planos são sempre bem-vindos e precisam coexistir com nossos desejos mais viscerais.
O fusca verde, com detalhes singulares e que demonstrava o apreço que este senhor estimava por suas conquistas e sonhava como se tivera trinta anos de vida, fora um sonho realizado. Sua carteira de motorista, o passaporte para viajar junto às estradas que lhe encantavam desde os tempos de menino. Como aspirante, assim designava-se, “fez muito chão” com seu carro cor de campo, e os cabelos alvos não lhe findaram a jovialidade provinda da alma.
E por 19 anos aquele pequeno auto, assim mencionava, quase uma paixão desenfreada, glorificou – levou amigos, filhas para terem seus netos, carregou amigos de infância e visitou os poucos parentes que tinha. A felicidade do olhar apegado ao volante, exclusividade João Luís de manejar, era a marca registrada do apaixonado “piloto”.
Aos 80 anos, os olhos já não lhe obedeciam mais, nem mesmo os óculos de outrora. O diagnóstico de glaucoma lhe arrasou a mente – extremamente lúcida e ávida, mas o corpo entregou-se ao prognóstico: era tarde para retardar a doença e a visão, até então quase perfeita, seria ceifada.
Parou de dirigir quando realmente percebeu que estava em risco e colocando outros em perigo. Entrava em seu veículo, colocava as mãos no volante e perguntava: Por quê? Apenas 19 anos, eu e você fomos amigos inseparáveis, Abacate. Hoje meus olhos não me veem, menos ainda você.
Interromper algo que se ama é quase tão violento quanto um choque de 220v. E quando os inconvenientes da jornada nos obrigam a tal ato, parece piada Divina. Não felizardo estar impedido de algo quando se encontra a pleno vapor. Aceita-se, no máximo, diminuir a velocidade e, todavia, a contragosto.
E se decidirmos parar a fim de findar um ciclo? E se o tempo já não nos é fundamental, pois a existência nos engessou a ponto de, com o passar dos anos, ir e vir em nosso próprio carro virou sinônimo de medo, angústia, ou a máxima: “estou velho demais para isso”?
Estar velho demais para isso – seu acesso foi negado! Basta seu espírito ser um jardim regado a sementes, que frutificarão juventude. Arranque as ervas daninhas do desgosto!
Sua longevidade depende, igualmente, do quanto você afirma para si próprio e para o Universo: Eu estou vivo (a), sou saudável e decreto independência e vida!
Uma enfermidade pode estagnar jovens, quiçá eternamente. E, se for temporária, a força interior ressurge como um tigre que nada tem a perder, muito menos o tempo.
Não é a idade quem nos ordena, ela é um mero registro cronológico. Dirigir nos dá asas rente ao solo, portanto, nos deixaremos paralisar por medo, angústias, solidão? Existe, creia-me, para todos estes problemas, as soluções. Quando temos mente e corpo saudáveis, não somos pequenos e muito menos anciãos para fazer quaisquer coisas. “Ah, e se me barrarem lá no CFC? o assunto é outro, caro (a) motorista. Mas dentro de mim existe um querer que a burocracia não liberta – isso mantém os sonhos de trinta aos setenta. E, se realmente me disserem NÃO, a culpa não é minha, menos ainda da minha idade ou condição. Para o trânsito chegou o adeus, mas eu não quis a despedida. Vou ter de obedecer? Por razões óbvias, vou, mas a beleza interior que há em mim ainda dirige. E até voa!
João precisou parar e sofreu até o findar de seus dias. No caso acima, a escuridão acabou levando um homem ao óbito. Quando sou e estou bem dentro de minhas possibilidades, eu pego a direção, coloco o cinto e engato a primeira. Seja a 40km/h, mas ele é meu, eu sou dele e somos um só. Quer ver coisa mais preciosa do que a independência? Olhe para si e para suas capacidades de ser um (a) só em meio a muitos e não necessitar de ninguém para ser feliz.
Abra a garagem de sua vida, maneje seus caminhos até quando não for mais possível. Dê o stop quando a lei mandar, não quando a dor vier para derrubar. Dores, mesmo as mais profundas, têm cura, medo, solidão e angústias, nem se fala. Afaste seus fantasmas e levante o volume do rádio porque amamos Cartola e a viagem é longa.
Paula Hammel
Brasil Sênior
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