Montenegro, RS - Escola convidou comunidade para dividir seus conhecimentos de vida com os alunos matriculados no 5º ano
Por Larissa Scherer Finger
Dona Ivone Machado Flores, de 68 anos, e Therezinha Nunes Kuhn, de 78 anos, voltaram a frequentatar a escola, no 5º ano do Ensino Fundamental. Na época em que nasceram, em 1939 e em 1949, as condições da educação não eram favoráveis se comparadas às de hoje. Ou seja, o comum era iniciar o período escolar e interromper lá pelo 4º ano. Os motivos normalmente eram falta de renda, trabalho na roça desde a infância ou a necessidade de ajudar os pais com serviços domésticos.
Tudo isso, evidentemente, mudou. O pouco do que sabe, dona Ivone aprendeu com sua mãe em casa, nas tarefas do dia a dia. “Na minha época de ir à escola, não tinha tantas oportunidades”, afirma. “Eu gosto de conhecer o novo, de estudar, e vejo os problemas que não lutar para ter conhecimento causaram agora”, lamenta. Em suas horas vagas, Ivone costuma fazer crochê, mas está sempre atenta às oportunidades de estudo. “A juventude de hoje não dá valor para isso. Acham que é desnecessário, mas, se eu pudesse, nunca teria parado de estudar”, aponta.
Viúva, dona Ivone tenta, também, incluir-se nas tecnologias. Para isso, faz curso de Informática. “Já aprendi a ligar e desligar o computar e a mexer em atalhos básicos do telefone digital, o que antes, para mim, parecia impossível”, conta, sorridente. Qualquer estudante, tanto os novos quanto aqueles que já estão na terceira idade, ainda têm dificuldades em algumas disciplinas, seja por ter esquecido ou por recém ter iniciado. “Matemática é a que mais me faz pensar, mas a professora é paciente. Devagar eu consigo”, revela Ivone.
Therezinha Nunes, de 78 anos, também divide a sala de aula com as crianças. A oportunidade, para ela, é de muito valor, sobretudo porque teve de interromper os estudos ainda no 2º ano primário. “Eu quis continuar na escola, mas meu pai cancelou minha matrícula e tive que ajudar a mãe em casa, como muito se fazia antigamente”, recorda. A leitura e a escrita são habilidades que se sobressaem em dona Therezinha. “Trabalhei muito tempo em serviço pesado, aquele judiado, e sequer tive chance de melhorar meu conhecimento”, complementa. “Se tivesse estudado enquanto jovem, poderia ter uma profissão melhor. Quer dizer, poderia ter, de fato, alguma”, confessa. “Mas nunca é tarde para procurar algo melhor”, frisa, esperançosa.
Dos três irmãos de Therezinha, dois eram homens, que iam trabalhar com o pai campo afora, e duas mulheres, incluindo ela, que ficavam em casa preparando café da manhã, almoço, jantar e limpando os móveis. Dificilmente havia possibilidade de estudo para todos. Agora que surgiu, a aposentada ressalta algumas dificuldades. “Troco a letra Q pela D, C com S. Me acerto melhor com os números”, assegura, risonha. E parece que a família toda está na mesma escola. “Tenho bisnetos aqui, meus netos também já passaram e agora é minha vez. Estou muito feliz, hoje vejo a falta que não ter dado sequência aos estudos faz no meu dia a dia”, conclui Therezinha.
O Número
De 2004 a 2014, segundo dados do IBGE, o analfabetismo de idosos de 65 anos ou mais diminuiu de 34,4% para 26,4%, ou seja 8%.
O importante é aprender sempre
Elisângela da Rosa Oliveira voltou aos estudos após os 40 anos, também no 5º ano. A vontade de terminar o Ensino Fundamental falou mais alto quando foi informada sobre a possibilidade de voltar a ficar cerca de cinco horas dentro de uma sala de aula, aprendendo sobre História, Geografia, Matemática e outras disciplinas. Embora tenha passado muito tempo distante dos livros, as pequenas lembranças de sua juventude vem à tona durante as aulas. “Tenho bastante dificuldade em interpretação de texto, mas tento prestar bem atenção e lembrar das dicas das antigas professoras”, diz.
Elisângela é casada e mãe de três filhos e um deles estuda com ela na mesma sala. “Às vezes, dá uma briga ou outra, mas ele costuma me ajudar bastante porque é mais ágil em aprender”, conta. E parece que sair da rotina tem feito a diferença na vida da mulherada. “Esses dias, fiquei doente e precisava faltar a aula para cuidar da minha saúde, mas fiquei tão agoniada de estar em casa que fui obrigada a vir estudar”, afirma. Além de obter mais conhecimento, para ela, estudar diminui o estresse.
Nara Regina da Silva Souza tem 35 anos. No início do ano, ela tinha o hábito de levar suas filhas à escola e ficar esperando até o término da aula, mas foi convidada para participar das aulas e logo se tornou aluna também. “Pensei em fazer o Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas com duas filhas pequenas em casa não tem a menor condição, e o programa só é oferecido à noite”, pondera. Nara não tem planos para o futuro, apenas pretende ir até onde der, mas está feliz por saber que as crianças ficam faceiras de lhe ensinar e que a interação das gerações é boa.
Cristiane Marmitt, 40 anos, é professora. “A convivência é muito legal. O respeito das crianças para com as senhoras é muito grande e é importante também. Assim, eles veem a importância dos estudos”, afirma. O fato de sair da zona de conforto e ir atrás de conhecimento é uma das questões que motiva a criançada. “Em Matemática, eu normalmente preciso dar mais reforço às senhoras, justamente pela complexidade. Enquanto as crianças trabalham com dois números divisores, elas permanecem com um”, explica. Mas isso, para Cristiane, não é empecilho. O que vale mesmo é a vontade de aprender.
Célia Aparecida Homem Pereira, de 45 anos, é diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental José Garibaldi há sete anos. Ela explica que a ideia de oferecer ensino aos mais idosos da comunidade preenche uma lacuna, já que a instituição não oferece EJA. “Não temos autonomia para implantar o EJA, mas também não há uma lei que estabeleça que o cidadão, a partir dos 18 anos, não possa mais estudar. Somente está declarado que até os 18 ele tem esse direito”, afirma. A inserção dos mais velho, portanto, é legal.
O conteúdo dado é o do 5º ano, sem nenhuma alteração, mas seguindo conforme o nível de cada uma das mulheres. “Às vezes, é necessário um pouco mais de paciência e levar em consideração que elas já não têm a mesma facilidade que as crianças, mas não estamos tendo maiores dificuldades”, assegura a diretora.
Fonte: Jornal Ibiá
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