Em geral, são os jovens que criam novas formas de vida; mas parece que “velhinhos pioneiros” estão cada vez mais presentes na sociedade
Em geral, são os jovens que criam novas formas de vida; mas parece que “velhinhos pioneiros” estão cada vez mais presentes na sociedade
Por Christian Ingo Lenz Dunker
O Brasil vai viver sua primeira geração na qual a terceira idade não será minoria. Nem em termos de quantidade nem de poder. Costumamos ver a adolescência como a idade que inventa novas formas de vida, mas quero crer que desta vez teremos uma geração de velhinhos pioneiros. A clínica vem mostrando isso de forma radical e inquestionável: graças aos recursos virtuais, hoje só permanece viúvo ou viúva (principalmente) quem quer (ou quem resiste à novidade). Só continua limitado sexualmente na terceira idade quem tem preconceito contra Viagras e Cialis. As doenças crônicas tornam-se cada vez mais bem equacionadas por meio do avanço da medicina, preocupada com a qualidade de vida. Eventos e viagens especialmente desenhados para a terceira idade são importados de forma cada vez mais constante para aqueles que podem pagar por isso. Ou seja, a tecnologia avançou, mas uma verdadeira cultura da terceira idade produtiva ainda está por se fazer.
Por outro lado, essa geração tem a seu favor a experiência, uma vez que ela é pioneira pela segunda vez. São os herdeiros da contracultura dos 60, da geração que fez a revolução sexual, criando, ao mesmo tempo, outro modelo do que viria a ser uma vida bem realizada. Ainda não capturados pelo imperativo da vida feliz que prospera depois dos anos 80, e não mais dominados pela narrativa do trabalho-consumo, que marcou os baby boomers do pós-guerra, nossos velhinhos power-flowers são, também por aqui, os que fizeram e sofreram a ditadura. Quem tinha 20 anos em 1964, e hoje está com 70, desprovido de uma narrativa de referência para o que vem a ser envelhecer, depois que se viveu uma vida de “jovem”.
Dercy Gonçalves, Jô Soares e Ana Maria Braga vão se somar, daqui a pouco, a Caetano, Gil e Paulo Coelho (na falta de Raul Seixas) como ícones de uma geração de velhinhos “prafrentex”. Como a psicanalista Angela Mucida mostrou em O sujeito não envelhece: psicanálise e velhice (Autêntica, 2004), para essa geração, não envelhecemos, desde que possamos reconhecer o desejo e conferir dignidade a ele como centro e razão de uma vida bem realizada. Nossa condição de sujeito se impõe à de pessoa, que gradualmente perde suas prerrogativas, à condição de indivíduo, que gradualmente se perde na massa, e à nossa condição de corpo que se degrada.
Esta é uma geração que nasceu e se criou com ideais ligados ao desapego identitário, ou seja, que se estabeleceu no mundo desconfiando um pouco dos papéis sociais que vieram a exercer. A ideia de que passar pela vida é passar o que se recebeu aos filhos e cumprir seus papéis (“fazer seu trabalho”) não deixa de ser experimentada com certa autoironia. Pai, médico, professor, filho, trabalhador, amante ou marido – tudo isso, como diria Cartola, acaba moído pelo moinho do tempo. Com esse recuo, que outras gerações não tiveram, com uma redução substancial da expectativa de respeito e honra, que outras gerações tiveram, os nossos próximos velhinhos-power-raid serão os primeiros a montar uma infraestrutura mais “comunitária” para seus últimos dias. O recolhimento na família, baseado na gratidão pelos serviços prestados, não é mais uma garantia, mas uma circunstância de sorte e contingência. A força da amizade e o crescimento da participação política entre nossos sessentões não são inesperados. Não se trata aqui de política institucionalizada, mas de preocupação com a vida comum: os síndicos, os críticos de jornal, os ativistas de Facebook, os denunciadores de iniquidades se tornarão tão comuns para nós como hoje é a figura do idoso isolado, sozinho e “largado” pela família (ainda que tenham surgido leis que hoje protegem contra essa situação). Tudo isso terá sido um futuro que não aconteceu.
Este artigo foi publicado originalmente na edição de junho de Mente e Cérebro
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