Você quer frequentar uma “creche de idosos”?
Na semana passada, dois fatos aparentemente sem relação tornaram essa coluna uma necessidade imperiosa. O primeiro foi a morte de Aretha Franklin, diva do soul que imortalizou a música “Respect” como um hino feminista, exigindo respeito para as mulheres. O segundo foi uma reportagem publicada pelo jornal “The New York Times” sobre um casal de lésbicas norte-americanas que não foi aceito num residencial para idosos e entrou na Justiça contra a instituição por discriminação. Mary Walsh, de 72 anos, e Beverly Nance, de 68, estão juntas há 40 anos e casadas desde 2009. Antecipando-se a um futuro que pudesse trazer alguma incapacidade para uma delas, ou ambas, decidiram comprar um apartamento numa comunidade que, além de apartamentos para quem é independente, também dispõe de serviços para quem necessita de cuidados. Ao visitar o Friendship Village Sunset Hills, nos arredores de Saint-Louis, gostaram da piscina, da academia de ginástica e do calendário recheado de atividades. Já haviam até feito o depósito de 2 mil dólares (cerca de R$ 8 mil) para a compra do imóvel de 235 mil dólares (pouco mais de R$ 900 mil) quando foram avisadas de que tinham sido barradas porque eram um casal. De acordo com o regulamento do estabelecimento, casamento é algo que só acontece entre um homem e uma mulher.
Ativista LGBT: o que acontecerá com essas pessoas se houver necessidade de viver numa instituição? (Foto: Quinn Dombrowski from Berkeley, USA / https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=27239665)
Quando Aretha soletrava a palavra respeito com seu vozeirão, falava das mulheres, mas esse é um grito que tem que ser bradado em nome dos mais velhos. A sociedade como um todo os torna invisíveis, ignorando a trajetória de cada um e insistindo em infantilizá-los. Um exemplo banal: alguma dúvida sobre o ridículo da expressão “creche para idosos”? A expressão horroriza geriatras e gerontólogos, mas volta e meia pipoca na mídia, como se fosse uma imagem graciosa. Não é. Se esses são espaços para quem ainda é independente, têm que começar pelo básico: homens e mulheres não podem ser destituídos de sua história. E quando residenciais para essa faixa etária montam sites que exibem quartos com modestas camas de solteiros? Idosos nunca farão sexo? E, mesmo que não façam, por acaso alguém prefere dormir encolhido, com medo de cair da cama? O próximo passo será uma grade de proteção, ou mesmo a contenção dos moradores? É claro que há ótimas iniciativas voltadas para o estímulo cognitivo e a socialização, mas o simples fato de esse ser um mercado que começa a se aquecer embute o risco de empreendimentos que não têm o devido comprometimento com a causa do envelhecimento ativo.
Voltando ao casal formado por Mary e Beverly: mesmo com as dificuldades que ainda existem, as últimas décadas possibilitaram que a comunidade LGBT tivesse voz e pudesse assumir sua orientação sexual. Mas o que acontecerá com essas pessoas, quando estiverem frágeis, se houver necessidade de viver numa instituição? Nos EUA, um levantamento feito em 2010, e atualizado em 2015, mostra um quadro desolador: gays e lésbicas que escondem seu passado, famílias que impedem as visitas de antigos relacionamentos, funcionários de asilos que fazem comentários homofóbicos e por aí vai. O documento chama-se “LGBT older adults in long-term care facilities: stories from de field” e é leitura obrigatória para quem, inclusive, quer planejar o futuro de forma a não se sujeitar a ambiente tão tóxico. Para quem já é ou ainda será um novo velho, sempre é bom lembrar: em 2060, um em cada quatro brasileiros terá mais de 65 anos.
Por Mariza Tavares