O Neti é um programa de educação permanente focado na área de conhecimento do envelhecimento humano
Por Rafael Thomé
É o cuidado com a saúde mental daqueles que vão chegando à "melhor idade" que move o trabalho do Núcleo de Estudos da Terceira Idade (Neti) da UFSC, em Florianópolis, que completa 35 anos de atividades em 2017. Encabeçado pela coordenadora Jordelina Schier desde 2011, o Neti é um programa de educação permanente focado na área de conhecimento do envelhecimento humano, com a oferta de cursos, oficinas e atividades para pessoas com mais de 50 anos.
Todo semestre, são oferecidos cerca de 30 cursos, com quase 800 vagas preenchidas. O banco de dados dos alunos se perdeu com o tempo, mas a estimativa é de que mais de 20 mil pessoas já passaram pelo Neti. Para Nina, como a coordenadora é carinhosamente chamada pelos alunos, o núcleo cumpre o importante papel de reafirmar os idosos como cidadãos ativos na sociedade.
— Essa ideia de que o idoso é ultrapassado, doente ou inapto vem de preconceitos construídos ao longo dos anos. Precisamos parar de comparar pessoas a coisas. Coisas ficam velhas e podem ficar inúteis. Pessoas, não. Foi com essa perspectiva que a gaúcha Eddy Frantov, de 87 anos, conheceu o Neti em 2006. Ela morava em São Paulo e tinha uma vida ativa, sendo síndica de um edifício por 12 anos e gerente administrativa de um asilo por 10 anos. Depois de alguns episódios de violência no bairro onde morava, decidiu se mudar para Florianópolis com um dos filhos.
— Quando vim para cá, cheguei velha, viúva e aposentada, o que nunca fui. Virei vovó de verdade. Vim para o Neti com o intuito de fazer novas amizades, talvez achar um grupo para ir ao cinema ou ao teatro. Acabei me matriculando em um dos cursos e passei a amar o lugar. Isso aqui é muito gratificante, é saúde, é energia que a gente recebe — conta Eddy, que atualmente é presidente do Centro de Estudantes do Neti.
Sidney Lino, de 70 anos, é outro exemplo de quem encontrou no Neti a vitalidade para seguir adiante após mudanças repentinas na vida. Até o ano passado, Sidney morava em Passo Fundo (RS), até que passou por um súbito processo de divórcio. "Sem chão", veio morar na Fortaleza da Barra da Lagoa, ao lado de uma filha.
— Estava meio atrapalhado quando cheguei, sem saber muito bem o que fazer. No Neti, eu restabeleci uma parte da juventude. O simples fato de falar que eu estudo muda o comportamento de quem me ouve. A gente tem mais respeito, a nossa autoestima melhora e a nossa inteligência se desenvolve. Já que estou sendo agraciado com a longevidade, porque não acumular ainda mais histórias e conhecimento?
Cursos, oficinas e atividades
Quem for procurar as atividades do Neti poderá encontrar cursos de línguas (inglês, espanhol, francês, alemão, italiano e esperanto _ projeto de língua universal), de contação de história, de monitoria gerontológica e até cine-debates. Para se inscrever, basta ter mais de 50 anos e contribuir com a taxa única de matrícula, no valor de R$ 65 por curso, por semestre.
— Nossos cursos e oficinas não formam pessoas para o mercado de trabalho, formam para a ação gerontológica. A pessoa adquire esse conhecimento, aplica na sua vida e compartilha através de ações com a família, a comunidade ou no grupo social — explica a coordenadora Nina.
Quando procurou o Neti em maio do ano passado, Sidney conseguiu se matricular em uma oficina de "Memória Ativa", uma espécie de reciclagem do cérebro que ajuda a reativar lembranças há muito tempo esquecidas.
— Inteligentemente, a nossa mente divide aquilo que está em uso e o que está em desuso, por isso acabamos esquecendo muitas coisas. Nas primeiras aulas, o pessoal pediu para a gente escrever nossas primeiras lembranças da vida. Foi fantástico, lembrei de coisas que estavam no "arquivo morto", uma verdadeira reciclagem — conta.
Depois, como bom descendente de italianos, Sidney quis aprender a falar como seus antepassados, com o curso de língua italiana. Como o único que havia disponível na época era o de conversação, para quem já tem familiaridade com a língua, o jeito foi se matricular no curso Conhecendo a Itália Através da Música. Hoje, está terminando o nível 1 de língua italiana e o curso "Arte e Cultura Italiana".
— O principal objetivo do curso de línguas é o acesso ao novo conhecimento, para que ele auxilie a pessoa idosa a ativar a sua memória, sua concentração e a melhorar a sua função cognitiva. Ao ter acesso a esse conhecimento, a pessoa se sente mais à vontade e empoderada para, se desejar, fazer um curso normal, que é oferecido em escolas de língua — comenta Nina.
Vozes da Ilha
O poder terapêutico da música também se faz presente no Neti. Não apenas para ajudar a recuperar lembranças do passado, mas para valorizar o talento dos idosos, contribuindo para o aumento da autoestima. O grupo de canto Vozes da Ilha foi criado em 2008, por iniciativa de Eddy, e se consolidou na grade de atividades do núcleo.
— Começamos do zero, inspiradas em uma apresentação de um coral de idosos em um fórum da terceira idade. Começamos com 15 pessoas, hoje somos quase 40 — conta Eddy.
Todo ano, são cerca de 30 apresentações do grupo nos municípios da Grande Florianópolis. Quem quiser conferir a voz dos senhores, pode ir ao Teatro Álvaro de Carvalho (TAC), no Centro da Capital, no dia 7 de julho, às 20h, quando cerca de 20 grupos, entre eles o Vozes da Ilha, participarão de um evento em benefício da Apae Florianópolis.
Pioneirismo
O Neti é considerado o primeiro programa de educação permanente para idosos no âmbito das universidades brasileiras. Criado em 1982, o projeto contribuiu para o desenvolvimento da gerontologia, a área de conhecimento que estuda o envelhecimento humano, e o surgimento de iniciativas semelhantes em outros estados brasileiros.
— Na época em que nasceu, o país ainda não estava muito preocupado com o envelhecimento populacional. Então, ao longo desses 35 anos, o Neti vem contribuindo para a sociedade com políticas públicas para que a população idosa tenha visibilidade e desenvolva o seu real papel de cidadão. A sociedade é de todas as idades, o que inclui o idoso — afirma Nina.
As comemorações dos 35 anos do núcleo envolvem diversas atividades, voltadas tanto para o público acadêmico como para a população em geral. Entre elas, destaca-se o XV Fórum Nacional de Coordenadores e o XIV Encontro Nacional dos Estudantes da Terceira Idade, que acontece na primeira semana de outubro, na UFSC.
Engana-se quem pensa que todas as realizações alcançadas pelo Neti façam os profissionais se acomodarem. Consolidados os programas para a terceira idade, agora a meta é incluir as pessoas idosas que apresentam algum tipo de deficiência.
— Estamos nos organizando e estudando para poder compreender e criar formas de acolher esse idoso que envelhece com deficiência. Essas pessoas também conquistaram a longevidade e um núcleo como o nosso não pode ficar alheio a essa situação — finaliza Nina.
Quem quiser conhecer mais sobre o Neti pode acessar o site www.neti.ufsc.br ou entrar em contato pelo telefone (48) 3721-6108.
Fonte: Diário Catarinense
O aumento da expectativa de vida pode ser uma grande oportunidade para a chamada ‘economia da longevidade’
Cecília Prada foi notícia quando entrou para o Itamaraty, em 1955; ela teve de abandonar a carreira porque se...
Por outro lado, no mercado de trabalho atual, 80% das empresas responderam que não possuem programas de contra...