Entrevista com Maria Célia Abreu, psicóloga e professora universitária
POR MARIA DA LUZ MIRANDA
Maria Célia Abreu fala com conhecimento da causa que defende. Aos 73 anos, a psicóloga e professora universitária por mais de 20 anos na PUC-SP, é taxativa: ainda há preconceito exacerbado com imagem dos velhos, diz. E os jovens precisam ficar mais atentos ao tema, completa a autora de "Velhice: uma nova paisagem" (editora Agora), livro em que reúne depoimentos, experiências e dicas sobre a questão que lhe é mais cara atualmente.
Maria Célia fala mansamente, mas é enfática. Esqueça expressões como "melhor idade" ou "idade do ouro", elas fazem parte do esforço de reconhecimento do velho na sociedade, mas não passam disso, garante Maria Célia. E, em recado claro às gerações mais jovens, um recado: repensem seus valores em relação aos velhos.
Quais os efeitos dos preconceitos que ainda cercam a velhice?
O preconceito contra a velhice existe - muitas vezes não conscientizados - e cria uma crença falsa que restringe a sua exposição a experiências diversificadas. Se eu tenho um preconceito contra velho, não me aproximo de quem tenha mais idade e posso estar perdendo a oportunidade de uma convivência muito rica. É algo a ser reconhecido, trazido à consciência e depois combatido.
Os velhos também têm preconceito contra velhos?
O velho que também tem preconceito contra velho vai limitando a sua própria vida. Ele se educou nessa sociedade em que se dizia que velho era algo inferior, debilitado, incapaz, então ele apreende que está incapaz, decadente e começa a se comportar como tal. Como se não merecesse mais ser autônomo, ele vai ficando à parte do mundo, principalmente desse mundo tecnológico. Então, temos de ter consciência do nosso preconceito, tenhamos nós qualquer idade, sabendo que eles são prejudiciais.
O fato de os velhos serem hoje numericamente expressivos, uma tendência que vai persistir, não muda o cenário e a percepção que se tem dessa fase da vida?
Sim, os velhos eram um grupo numericamente pouco significativo até pouco tempo atrás. Hoje, se você vai ao velório de alguém com 60, 70 anos, ouve 'nossa, morreu novo'. Há uma mudança muito grande na sociedade para se adaptar a essa quantidade de velhos. Os termos idade de ouro e melhor idade, por exemplo, são parte desse esforço, mas, claro, a velhice não é nada disso. Mas esses termos foram cunhados para fazer valer direitos. Aí o velho foi ganhando visibilidade.
Qual é a "nova paisagem" a que você se refere no seu livro? Você escreve por experiência própria?
Sim, há influência das minhas experiências. Nos últimos dois, três anos a gente está começando a entrar numa nova paisagem. Existia uma imagem que ainda usamos, que associa o envelhecimento à descida de uma montanha. Ao descer, a gente perde tudo aquilo que ganhou enquanto subia. Essa imagem é desesperante, desesperançada, péssima. A vida não é uma montanha que se sobe ou se desce. A vida é uma estrada que você não sabe o quanto ela será extensa ou não. Se você atravessa uma paisagem árida, cheia de pedregulhos, calma, ela vai acabar. A estrada continua. Não necessariamente todo começo de estrada tem paisagens amenas, há infâncias muito dolorosas. E não necessariamente o final, a velhice, é pobre. Muitas vezes é a melhor fase que a pessoa vive. A gente enaltece a infância e diz que a velhice é péssima. Isso não é verdade.
A velhice pode mesmo ser a melhor fase da vida de uma pessoa?
Todas as idades têm seu valor.
Por que a velhice assusta tanto? Ou é a morte?
Morrer pode acontecer em qualquer idade, mas se sabe que, uma vez velho, se está próximo do fim. Há quem enfrente isso muito bem. E tem quem relute diante da própria velhice. Quanto mais se falar sobre morte, isso deixa de ser tabu. E isso também é algo recente. A morte, os cuidados paliativos, o testamento vital, os cuidados que você pode ter para preparar a sua própria morte. Isso exige reflexão, coragem.
Há, de certo modo, uma profusão de estudos sobre o envelhecimento. Como, de fato, passamos a encarar a velhice de modo diferente? Na prática, a teoria é outra, não?
Já há inúmeras profissões lidando com o envelhecimento, isso é um bom sinal. O que sabemos é que tem de dar liberdade, respeitar e garantir autonomia aos velhos. A própria família carrega o preconceito, muitas vezes.
De quem ou de que instituições é a responsabilidade por falarmos e cuidarmos tão precariamente dos velhos?
Estamos num processo de transformação. O tema está se abrindo. Os políticos estão percebendo a força política dos velhos. E a indústria também está começando a perceber que o velho tem de ter uma atenção diferente do jovem.
Como lidar com a fragilidade do outro diante da própria fragilidade, no caso de pessoas de 60, por exemplo, que cuidam de pais acima de 80?
Essa turma, em geral, tem filhos demandando atenção além dos pais, o que faz com que haja uma geração espremida entre dois lados. Temos de lidar com as coisas com naturalidade. O velho é uma pessoa importante e de alguma forma você vai ter de se adaptar a ele, assim como se adapta aos filhos. É importante não interferir na vida dos pais mais do que eles precisam. O velho tem de lutar por sua autonomia. E o jovem tem de confiar que o velho é capaz. Com bom senso. Tem de saber e conversar sobre as limitações.
Os 50 anos são tidos como um marco, atualmente, as queixas começam aí. Para quem ainda não chegou, mas está perto, o que você diria?
Todas as fases da vida são apenas novas paisagens. O que conta é a prevenção. Para ser um velho legal, saudável e de cabeça aberta você tem de começar já a cuidar do corpo, da forma física, da saúde, tem de estudar, ler, aprender, manter o cérebro funcionando, participar da comunidade e cultivar relações afetivas. Jovem, é muito provável que você fique velho; é muito provável também que você trabalhe com velhos e para velhos. Convém repensar seus sentimentos em relação ao velho e à velhice, bem como os valores atribuídos a eles. É preciso se informar sobre esse segmento da população, ainda tão desconhecido. Você vai fazer parte dele.
Fonte: O Globo - Blog Depois do 50
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